Confundir prioridade com superioridade


Como já deu para perceber nos meus textos, vivo muito de perto com a diversidade funcional através do meu marido, portador do seu BI e da sua paralisia cerebral.
Já sabem também, que o recebi de braços abertos na minha vida sem me importar muito com a sua condição. Importo-me sim, com quem nos rodeia e a maneira como os comportamentos de determinadas pessoas influenciam positiva e negativamente o nosso quotidiano.
É difícil ficarmos indiferentes à falta de civismo e humanidade.
Eu sempre soube que existiam, mas desde que eu própria também passei a ser uma pessoa a viver esta diversidade, a que muitos apelidam de deficiência, percebi que a indiferença é de tal ordem enorme quanto a ignorância e falta de educação.
É neste momento que surge a oportunidade de aprender a educar. Educar a mim mesma para passar o legado a outros.
Isto não é apenas filosofia ou pedagogia, é sentido de responsabilidade.

Hoje, ao ler uma anedota sobre esta falta de civismo e educação, referente a darmos ou não a prioridade nos elevadores, a pessoas com mobilidade reduzida, deu-me a inspiração necessária para escrever este texto.
Longe de mim escrever com um chicote na mão, nada disso, mas apenas relembrar o que já escrevi anteriormente. Hoje os outros, amanhã nós. É bastante simples, não é?
Eu até sou contra os dísticos informativos sobre a prioridade à porta dos elevadores, porque é uma lei tão básica da educação, que até irrita de tanto bater na tecla.
O mesmo diria sobre as caixas de supermercado, sobre as lojas comerciais, sobre os wc's que misturam mobilidade reduzida com fraldário, enfim. Só quem anda nesta vida de luta, é que sabe do que falo.
Os elevadores e as rampas são a nossa salvação, ao invés das escadas, buracos e passeios com tenebrosos metros de altura, que são como o diabo a fugir da cruz. O próprio Estado é o pior exemplo de quem não cumpre as leis. Depois, ainda afirmam que os deficientes usufruem de uma "exclusividade" sem igual. Têm razão. A deficiência mental, é de facto, uma exclusividade da sociedade em geral.
Não pensem que isto só se passa em Portugal! Não. Há "bichos" que falam outras línguas e conseguem ser piores!
Apanhamos uns "estranjas" nos elevadores do CC Vasco da Gama, quando fomos assistir ao concerto do André Rieu, que usavam umas palas como os cavalos e os burros, que só visto! Qual prioridade, qual quê?! Não falavam português, quanto mais "deficientês"!...
Uma vez em Itália, quando eu e o Nuno fomos ao Vaticano, apanhamos um guia turístico, com o seu fato Armani, que se recusou a ajudar-me a pegar e sentar o Nuno no autocarro, sempre que era necessário. Até aí, tudo mais ou menos bem, não era obrigado a fazê-lo, apesar de eu achar que tinha obrigação moral e ética para o fazer. O pior, foi quando se lembrou de dizer aos restantes turistas que nos acompanhavam, que ninguém iria ajudar porque se acontecesse uma queda, o caso teria contornos graves de resolução. Eu fiquei a pensar com os meus neurónios. Eu a pegar sozinha no Nuno, subir escadas estreitas e com pouco espaço de manobra dentro do autocarro, a probabilidade de nós os dois nos magoarmos não era maior?! Não seria pior para a excursão? Pois o puto do italiano, não queria era estragar o seu fato, e pensava ele que iria estragar a nossa lua-de-mel! Humilhou-nos, descriminou o Nuno dizendo que nunca deveria estar ali, foi preconceituoso e tratou-nos como se tivesse nojo...no final, levou uma lição. Todos os turistas que iam connosco, na maioria espanhóis e alguns portugueses, revoltaram-se e ajudaram-me quando me viram pegar e sentar o Nuno sozinha, quase a cair para o lado.

Constato, afinal, que a taxa de pessoas com diversidade funcional é muito maior do que eu pensava. Se têm boas pernas para andar e usam o elevador ao invés das escadas, só posso concluir que vai ser necessário atribuir mais atestados de incapacidade a muita gente. Mais trabalhinho para as juntas médicas...

Eu própria, piquena e lingrinhas sujeita a levar uma lambada, já bloquei um elevador de subir ou descer, até uns teenegers o aliviarem um pouco para deixar uma pessoa em cadeira de rodas entrar. Enquanto ninguém saía, o elevador também não se mexia. Lá foram alguns pelas escadas rolantes a remoer por dentro.
Lá está. Vou ao encontro do texto anterior de educar para a diversidade. Se os papás ensinassem aos filhos Boas Maneiras de serem bons pais, acham que aconteciam cenas tristes destas? Pois...

Desde que estou com o Nuno, deixei de poder fazer muitas coisas, mas também vos garanto que aprendi a fazer outras. Portanto, admito que ganhei mais do que perdi. E fazemos o que temos de fazer por forma a valer sempre a pena. Descobrimos todos os dias que a felicidade está concentrada num grão de areia. Aquilo de onde somos provenientes: de um grão de areia, e no entanto, pensamos que valemos mais do que uma praia extensa.

Acham que deixamos de fazer o que gostamos, de ir a qualquer lado por causa da nossa deficiência e, essencialmente, por causa da deficiência nos outros?


Esta foto, foi o Nuno que a tirou com os seus pés milagrosos.


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