A nossa identidade

Ao longo da minha vida, nunca tive tempo para pensar verdadeiramente sobre quem eu sou. Nunca me dei ao trabalho de fazer um exercício interior sobre as minhas expectativas de vida e sobre quem eu queria ser. Quando somos crianças, desde cedo desenvolvemos a nossa personalidade, abrimos espaço à nossa imaginação e permitimos que os nossos primeiros sonhos tomem conta de nós. Estas são as primeiras etapas do auto-conhecimento interior. Como ainda somos muito imaturos nesta fase, tudo é puro e inocente. Descobrimos que as brincadeiras são as nossas primeiras lições de vida. As nossas primeiras experiências de socialização, demonstram que os amigos são a base fundamental para o nosso crescimento saudável, mesmo nas experiências mais traumáticas.
Durante a minha infância, brinquei muito sozinha, brinquei com os meus familiares, com os meus amigos e ainda, tive a oportunidade de brincar com crianças portadoras de "deficiências" várias no contexto escolar. Conheci um vizinho amigo com trissomia 21 com quem brinquei muito. Todos os dias nos encontrávamos no café, à mesma hora, com as nossas avós e era uma diversão total. Este menino, chamava-se Júlio.
Nunca o vi como "deficiente", mas sim como alguém um pouco diferente de mim porque era mais divertido e atrevido do que eu, e isso deixava-me feliz porque tornava-o único e especial. Mesmo assim, com o decorrer dos anos e quando me tornei adulta, estas questões sobre a exclusão, descriminação social na deficiência, que ainda vivemos nos nossos dias, passava-me um pouco ao lado. Não pensava, nem me importava sequer com as dificuldades e barreiras que estas pessoas especiais sofrem todos os dias devido à ignorância. Eu fui ignorante demasiado tempo porque assim o permiti, apesar de já ter convivido anteriormente com a diversidade funcional. Foi necessário "acordar" e "bater" de frente com a realidade. Porque razão só acordamos quando nos deparamos com uma situação irremediável? Quantas pessoas defendem verdadeiramente os direitos dos outros sem pensarmos em nós primeiro?
Toda a gente sabe teoricamente que somos todos iguais nas nossas diferenças. Quando passaremos à prática, então?
Hoje, eu sei quem sou e o que quero ser!
Quero simplesmente ser como o Júlio e como outros Júlios.
Sou como Tu e Eles. Somos como um Todo porque só assim faz sentido.
Inspiro-me todos os dias nos outros, até nos mais distraídos porque com estes aprendi que não quero "adormecer" mais.
Todos nós, sem excepção, somos prováveis "deficientes" hoje, amanhã, num futuro próximo.
Todos nós, hoje em dia, temos acesso ilimitado à informação sobre outras condições de vida, por isso é importante fazer uso dessas liberdades conquistadas para aprendermos o que ainda não sabemos. Dêem espaço ao vosso conhecimento e não queiram viver para sempre na cave onde permanecem os bichos, bichinhos e bicharocos.
Curioso, é perceber que o maior receio do cidadão é ficar sujeito a viver permanentemente numa cama ou ter uma cadeira de rodas como companheira para toda a vida, e mesmo assim, teimam em desrespeitar quem vive nesta condição e a não se importar de continuar a elevar escadas e outras barreiras até ao céu.

Esta pequena reflexão que se segue, é uma das minhas inspirações e propósito na vida:
“A espiritualidade não é uma coisa em que acredito. É o que sou e quem sou. Saber isto faz toda a diferença. Permite-me viver sem medo e tornar visível o propósito da minha vida. E sou suficientemente ousada para afirmar que tenho a certeza de que esta é a grande descoberta da vida: reconhecer que se é mais do que um corpo e uma mente.”
Oprah Winfrey


Comentários

Mensagens populares