Os Degraus de Escher


Enquanto escrevo este texto, estou a ouvir Annie Lennox, daí sentir a necessidade de lamentar, se o que escrevo aqui hoje, sai um pouco dos contornos da normalidade e entra ao mesmo tempo num campo enigmático.
Provavelmente, vão pensar que tudo o que escrevo, já sai desse registo apelidado de "normalidade", que uso demasiadas palavras e pensamentos inusitados, de que há verdades que têm de ser ocultadas porque o tempo determina quando se deve falar a verdade. Mas o tempo corre, voa, e a verdade nunca deve aguardar numa sala de espera.
O que me apetece descrever aqui, é a forma como nos movemos no universo. Como subimos e descemos escadas, uns com a cabeça erguida e outros, com os olhos postos nos degraus, enquanto sobem ou descem.
Acredito, que o ponto onde nos encontramos na origem do nosso ser, é o ponto de encontro no final do caminho. Cada patamar ganho, é igualmente a perda da nossa inocência, e nunca terei vergonha de quando descer uma escada, admitir que a desci para crescer interiormente.
Já vão entender aonde quero chegar, com tamanho disparate escrito no andar de cima deste texto.

Quando comecei a trabalhar no ramo livreiro, como caixeiro-ajudante 1º e a ganhar sessenta contos, isto em 1998 para ser mais precisa, nunca adivinhei onde esta paixão pelo que aprendi a fazer, ia parar. Fiz de tudo, sempre que me era permitida pela chefias, para absorver a informação possível sobre toda a gestão comercial. Tive a sorte de encontrar os melhores colegas no ramo, e dos mesmos terem a disponibilidade para ensinar e para aprender com uma novata inexperiente como eu. Afinal de contas, era o meu primeiro emprego depois de sair do secundário inacabado. Nunca fiz formação superior, nem podia por enquanto, mas a minha curiosidade pelo meio envolvente, era muito superior a uma licenciatura, mestrado ou doutoramento.
Em 2002, um pouco antes do Natal, receberia um presente maior. Era convidada pelo administrador da empresa, a integrar no grupo das chefias, seria portanto a nova "ponta-de-lança", como me nomeou na época. Lembro de ir ao dicionário, ver exatamente a definição de ponta-de-lança, para não cometer nenhuma gafe sobre o desafio que se avizinhava, e o Dic falava num fulano que tinha de marcar golos. Ora bem, tinha de atingir os objetivos propostos, assim entendi.
Fui subindo os degraus do mérito, do conhecimento, da honra e privilégio de trabalhar rodeada de sabedoria, e acima de tudo, esses degraus não tinham um ponto de origem nem fim. Eram infindáveis...
Não tive de puxar tapetes a ninguém, nem lamber botas, nem tropeçar em nenhum obstáculo enquanto ia subindo a montanha. Disso me orgulho. Conquistei muitas vitórias, quando muitos esperavam que uma piquena não tivesse nada para dar. Somei muitas amizades e invejas. Também vi muitas vezes nas costas dos outros, as minhas. E mais importante de tudo, aprendi mais do que um aluno na faculdade. Isso vos garanto. Geri lojas sem um curso de gestão, apenas exerci aquilo com paixão. Costumava dizer, que fazia o que gostava e ainda por cima o patrão fazia questão de me pagar.
Foi graças a esta paixão que conheci outra, ou neste caso, outro. Conheci um escritor com quem fiz questão de casar, e casava com ele todos os dias até ao fim dos meus. Pena não o ter encontrado mais cedo...mas a vida é assim, no universo só nos movemos quando ele quer.
Quando chegou a altura de avaliar, se ainda fazia sentido ou não, continuar a subir e descer degraus na Bertrand, resolvi encerrar as minhas contas com um balanço positivo. Já trazia uma super bagagem que me iria obrigar a pagar taxas elevadíssimas num aeroporto qualquer. Foram 18 anos! Chega!

De gerente, numa grande rede de livrarias com história no livro de records do Guinness, passei a limpar rabiosques a velhinhos num lar. Chocados com a linguagem, ou com a diferença factual entre as profissões? Não deviam estar. É, foi, ainda mais gratificante do que vender livros. E continuava a limpar se me tivessem deixado.
Mas hoje em dia é assim. Salta-se de emprego em emprego, sem saber o dia em que deixaremos de nos sentir como cangurus numa planície Australiana.
Sim, é verdade que chorei muito quando passei de uma realidade para a outra, mas são os tais degraus do Escher, estas escadas são também infindáveis e deveras reconfortantes. Reconfortantes, no sentido de estarmos em constante aprendizagem e evolução natural. Tenho para mim, de que nunca devemos negar este crescimento pessoal. Nunca se sabe, se não encontraremos a nossa verdadeira vocação.

Entretanto, durante o caminho, continuo a achar que tenho um vazio por preencher. Quero entrar na faculdade. Não na faculdade da vida, essa já entrei há muito, quero é tirar um curso superior. Tirar, como quem diz, oferecer a mim mesma, porque não vou tirar a ninguém, vou apenas me presentear.
Há lacunas, grandes buracos negros, na área social.
Quero seguir esse caminho certamente, e no entretanto, fazer um curso de língua gestual, outro grande buraco de ozono.
Já terminei o 12º ano através do centro qualifica, que me permitiu concluir o mesmo através da formação modular de UFCD's. Essa etapa está cumprida, agora falta passar à fase seguinte: colocar em prática o meu plano universitário.

Como vos disse, o universo trata de fazer o puzzle com todas as peças necessárias ao nosso propósito. Há quem percorra uma vida inteira sem perceber o que veio cá fazer, por outro lado, há quem saiba perfeitamente o que quer e por onde seguir.
De jovem patinadora franzina, a aluna de teclado/orgão, de aspirante a engenheira informática, a livreira apaixonada, entretanto mãe de dois filhos e casada com a "d"eficiência, de ajudante-familiar, a cuidadora informal, a sonhadora em vestir uma capa negra, usar cartola e bengala, e não acabará por aqui com certeza...
Sou capricórnio, o que esperavam?! E por favor, tenham cuidado quando escreverem ao som do "No more "i love you's"" ou do "Whiter shade of pale". Sai isto...




Comentários

  1. Continua a escrever ao som de Annie Lennox pois o resultado é brilhante. ;)

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