Alice, no país dos loucos



Desde que escolhi fazer o Caminho na minha vida, pelo trilho mais difícil, ganhei e perdi muita coisa. Provavelmente, ganhei mais do que perdi. Essa é a grande vitória que vou somando dia a dia.
O afastamento e o aproximar de algumas pessoas, fazem parte deste equilíbrio, que aos poucos fui aceitando com naturalidade. Confesso que não foi fácil.
Ainda hoje, não aceito certos distanciamentos de amigos e familiares, porque sempre gostei do conceito de união. Mas tive de aprender a conviver com meia solidão e meia lucidez à força.
Interiorizei, que há alturas em que temos de permanecer afastados, para percebermos a falta que as pessoas nos fazem, sem elas saberem.
Mentalizei-me, que é necessário abrir novos caminhos para conhecer novas vidas, que nos acrescentam outros valores.
Fiquei mais perspicaz em apanhar certos "peixes". Aqueles peixes que nos lançam olhares de odiozinhos escondidos na hipocrisia de um sorriso leve. E nem precisei de anzol...
Hoje, sei distinguir quem é meu amigo e quem não é, graças ao Caminho.

O que sou hoje, nasceu comigo no dia 30 de dezembro de 1978. Sinto que devia ter nascido uns dias antes, não fosse a alegria e tristeza que me acompanham desde esse dia. Não nasci a tempo de conhecer o meu avô paterno, mas conheci nesse dia a saudade. Como se pode ter saudade de uma pessoa que não se conheceu? É verdade, sinto, e sinto igualmente que durante toda a minha vida me acompanha uma sombra impertinente. Talvez por isso, por este sentimento de perda, tenha sido a minha avó a tomar conta de mim, desde pequena até à minha adolescência. Chorava no colo de toda a gente, mas era no colo dela que encontrava o sossego, foi o que a minha mãe me contou.
Acredito em anjos, e sei que cada um de nós tem um. O meu talvez seja o meu avô, não sei.
Uma vez tentei contactar o meu espírito-guia, mas só ganhei para o susto. Deixo-o lá no canto dele que eu fico no meu, é melhor para ambos.
Tive uma infância muito feliz, rodeada de afetos, de primos e primas, de convívios infindáveis entre todos os familiares e amigos. Romaria sem a família Soares, não era romaria. Foi durante muitos anos, o legado da matriarca da família. União. Uma vez, sem o meu avô por perto, foi esse o nosso pacto, até a minha avó finar-se de amor.

Após a Alice partir, o país das maravilhas nunca mais foi o mesmo. Mas sei que a minha avó Alice sempre tomou conta de nós, e continuou a tomar-me no seu colo para eu sossegar.
Conforme faço o Caminho, vou-me cruzando com gente insignificante, que depressa se tornaram importantíssimas e imprescindíveis no meu crescimento interior. Assim como, com gente que colocava num altar, e num ápice iam caindo, um a um, tal e qual como santos mal canonizados por milagres que nunca fizeram.

Eu sou feliz quando estou por perto dos malucos. São esses alienados mais mentalmente saudáveis do que muitos "certinhos" que vemos por aí. Esses loucos são apelidados de deficientes, incapacitados ou inadaptados.
Por experiência própria, posso afirmar convictamente, que estes tolinhos são mais meigos, mais verdadeiros, mais solidários (muitas vezes sem saberem o que isso significa), são genuínos.
Vivem por isso num mundo à parte, só deles. Como eu gosto de estar no mundo que não é o meu! São fantásticos!
Aprendo todos os dias com eles, com os doidivanas. Têm um sorriso contagiante e um abraço mudo, silencioso, que dura uma eternidade...que tão bem sabe!
Fotos de Pedro Costa
Já alguém dizia que "A arte de ser louco, é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal", e eu sou tudo, menos normal. Aceito essa dádiva todos os dias.
Todos os dias, desde o dia em que nasci, sou uma pessoa em crescendo, graças à audácia de me afirmar como sou. Sem medo de julgamentos, de críticas, de desprezos....porque a felicidade, aos olhos dos outros, é pura loucura.

Sejam loucos felizes!!

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